Amanda Greavette - The Delivery (do lindo projeto "The Birth Project") |
Nas vésperas de entrar no 8º mês de gestação,
muitos ainda me perguntam como quero ter meu parto. Ao responder “normal”, não
são poucos os que me dizem que sou corajosa. Confesso que não entendo muito bem
onde minha coragem se encaixa nisso, porque acredito ser necessária ainda mais
coragem para enfrentar uma cirurgia de grande porte. De qualquer forma,
refletindo nessas 30 semanas como gestante, tentei responder para mim mesma:
por que eu quero parir?
Essa pergunta nunca foi verdadeiramente concebida,
pois sua resposta nunca foi verdadeiramente questionada. Desde antes de estar
grávida eu havia decidido parir da forma mais natural possível, caso um dia
ficasse grávida. Mas da onde veio essa certeza? Bom, algumas leituras e estudos
de violência obstétrica certamente me ajudaram na escolha. Mas nunca foi só
isso. Até porque comecei a estudar sobre o assunto por algum pretexto anterior.
Refletindo livremente, longe dos dados, números e artigos
que diferenciam os tipos de parto, o ato de parir sempre me fascinou. Criar um
outro ser dentro de si e trazê-lo ao mundo é algo incrível e poderoso. E
absolutamente natural, já que desde que o mundo é mundo, as mulheres parem. Se
pensarmos bem, parir vai contra tudo o que essa sociedade de hoje tenta nos impor:
Em um
mundo programado, parir é imprevisível. Não sabemos a hora exata que o bebê decidirá
nascer, rompendo com as agendas, com os prazos do trabalho, com o calendário já
antes planejado. Não há como calcular o tempo de duração do parto. É preciso se
entregar.
Em um
mundo que medicaliza a dor, parir é sofrer. E saber que no meio de todo o
sofrimento também há prazer. Um rito de passagem natural para aquele que vem e
para os que trazem. Todos os hormônios e emoções funcionando harmonicamente
para a chegada de um novo tempo.
Em um
mundo machista, parir é poder. A mulher é protagonista e dona de seu próprio
corpo. Ela dirá as posições, dirá o ritmo e dirá suas vontades. A gestação é
uma oportunidade de empoderar-se de si, não só para o parto, mas para a vida em
todos os seus desdobramentos.
Em um
mundo de julgamentos, parir é sororidade. É confiar na mulher que já pariu.
É contar com braços que lhe apoiem o corpo. É olhar nos olhos que lhe darão
forças para continuar. É ouvir conselhos de forma aberta e dar conselhos sem
imposição. É cuidado coletivo.
Em um
mundo asséptico, parir é fluído. Não há como esconder todo o sangue e água que
escorrerá dentre as pernas. Parir é água e movimento. Um desvelamento absoluto
do corpo que não suportará amarras. Voltamos ao estado original, renascendo
junto daquele que parimos.
Em um
mundo que despreza o oculto, parir é instintivo. É saber
que nascemos sabendo nascer. Reconhecer que o bebê sabe o que fazer, assim como
nós sabemos parir. É confiar no corpo e se entregar ao instinto. Pouco
racional, nada consciente. Uma verdadeira entrega.
Não é preciso parir para desconstruir as amarras
que nos são impostas diariamente. Mas optar por parir é um ato de
libertação, mesmo que momentâneo. E muitas vezes esses momentos intensos
nos reconstroem para o novo e ressignificam a vida. É a possibilidade de ter um outro olhar para o mundo.
Infelizmente, não são todas as mulheres que
conseguem parir da forma mais humanizada possível. Em um mundo de violência, parir é privilégio. Não são todas
que conseguem achar meios de ter sua vontade e seu corpo respeitados,
independentemente do tipo de parto, já que o parto não precisa ser natural para
ser humanizado.
O parto normal muitas vezes não é uma opção viável
por reais intercorrências médicas. Mas basta ler um pouco sobre violência
obstétrica para saber que as altíssimas taxas de cesárea não se devem por
problemas no parto, nos bebês ou nas mulheres, mas por conveniência médica e
pura violência. É algo sistêmico que não será resolvido individualmente. Daí a
importância das políticas públicas para humanização do parto, seja na
construção de mais casas de parto, reconhecimento e valorização das profissões
de doulas e parteiras, melhoria e ampliação no acompanhamento público das
gestantes, enfim, uma longa lista.
Além disso, por ser um processo de empoderamento e
escolha, as mulheres que optem conscientemente pela cesárea também devem ser
respeitadas igualmente. O que merece questionamento são as formas sutis (ou não
tão sutis assim) de imposição de procedimentos desnecessários. Daí a
importância de estarmos empoderadas nesse momento de tanta vulnerabilidade que
é a gestação e o parto. Nesse ponto, a condição da mulher (física, mental,
emocional), a escolha dos profissionais, a rede de apoio, as leituras
realizadas e um punhado de outros fatores contam muito. Esbarramos novamente
nos privilégios.
De qualquer forma, tudo vem caminhando para que eu
consiga parir da forma mais respeitosa e humana possível. Seja como for, foram
tantas as reflexões nesse processo que já me sinto transformada. Obrigada, meu
filho, por me proporcionar essa renovação. Estamos te esperando, na hora que
você quiser chegar.