sábado, 25 de junho de 2011

Respiro


Estava com medo daquele chá com bolachinhas ser o último da vida, numa inversão Proustiana que só eu conseguia sentir. As lágrimas escorriam silenciosas, denunciadas apenas pelo lábio que se sobressaia, por um batom quente e úmido. Era o bico que eu não conseguia tirar do rosto, mania de infância, foi sempre assim. O momento era tão fim que as esparsas lágrimas começaram a se engrossar, num riozinho de tristeza que ia se adensando, rumando pros lábios tortos, num soro de amor e sentimento. Por mais que me sossegasse, aquele segundo representava um fim, um fim não sei do quê. Se pensasse bem tiraria qualquer resposta triste de mim, mas o momento era triste sem pensar e triste fiquei, chorando.

Agora que já não consigo não pensar, a tristeza vem justificada superficialmente por qualquer matemática barata que eu inventei. E a justificativa tem serventia para meu racionalismo treinado que exige respostas sempre que alguma coisa escapa do controle, um chorar na rua qualquer. Ele se engana com a fundamentação inventada e eu não penso nos reais motivos, já que me exigiriam mais choro na rua e mais justificativas baratas. O real motivo é triste. E é tão triste que se torna bonito, feito um samba, feito esses filmes de cinema que você sai sem nem vontade de comer a batatinha com catchup que tanto queria antes de começar a sessão.

Engraçado comparar nossas vidas aos filmes de cinema. Tem sempre aquele que nos revira por dentro e nos faz chorar horas a fio, numa lavagem d'alma. Essa é a melhor justificativa para o homem racionalismo que vive dentro de mim. Finjo que vou ver um filme qualquer, simulo um bocejar preguiçoso e dedilho na prateleira as fitas, como que numa dúvida real. Faz-se um "ah", despreocupado, e o filme, já há muito escolhido, é colocado para o ritual.

Ao acordar em meio as lágrimas justificadas pelo amor realizado, ou pela morte já sabida, passo a pensar na realidade que não tem um fim que se possa prever. Talvez se fosse na cartomante poderia me orientar na vida, ou ler os maços do cigarro, mas já não fizeram isso antes? A vida nos enrola e dá, num repente, um nó, como naquelas finas correntinhas douradas que guardamos com cuidado pra não embaraçar. E de tão fina, se tentamos consertar, ela arrebenta sem conserto, num som desconcertante de fim.

E voltamos a chorar, sem justificativa, ou justificadamente, pela vida.



Quadro: Breach - Vladimir Kush



2 comentários:

Juliana disse...

Você é linda! Já perdi as contas de quantas correntinhas você já me ajudou a desembaraçar... E eu nem sei quantas lágrimas escorreram enquanto eu lia seu texto ♥
Beijos

Fred Caju disse...

Muito legal. E será que esse engraçado na comparação de vida com filmes não seria um pouco mais sério?

E adorei ser apresentado, por tabela, ao Vladimir Kush!