quinta-feira, 29 de abril de 2010

Colorir


Só posso te oferecer minhas palavras combinadas
é tudo que tenho em mim
e quando durmo, elas saltam uma a uma
acrobaciando no meu travesseiro
silenciando as frustrações contidas.

Ao acordar, dou-lhes o tom de infância,
daquele colorido tarde-morna
roseando o dia conforme o cair da luzes
no contar do abecedário aprendido.

E é pra você que dou a mão
e me entrego na ciranda sem fim
toda essa juventude vem do seu sorriso
- que é de leite pra eu achocolatar -
açucarando o amargo das rugas do sol
me dando colo pra poder chorar.


Cena do filme "O fabuloso destino de Amelie Poulain"


quarta-feira, 21 de abril de 2010

O que deu nome


I. DA TRISTEZA
Não quero inventar tristeza para ser aquilo que pensam que sou.
Meus olhos denunciam tudo.
Não preciso ser chumbo para viver como aquilo que pensei ser
Vou ser aquilo que sou
inventando sorrisos e lágrimas
sem remeter ao homem primeiro que instituiu as malditas sensações que só ele sentiu.

II. DA FELICIDADE
Não quero inventar alegria para ser aquilo que pensam que sou.
Meus olhos denunciam tudo.
Não preciso ser oca para viver como aquilo que pensei ser
Vou ser aquilo que sou
inventando lágrimas e sorrisos
sem remeter ao primeiro homem que instituiu as alheias sensações sentidas só por ele.

III. DESQUADRICULANDO OU DA PALAVRA
Teses mostram-me as verdades do mundo, não as minhas, minha tristeza é felicidade, minha lágrima é alegria, não sei o que sinto mas sinto, chorar e rir me é redundância, meus paradoxos são apenas papel, tudo que sou é, sou tudo que é, sou a noite sou a lua sou o homem, sou negra parda branca verde, sou de azul, coloro-me em tons pastéis e rubro! sou rubra quero o vermelho como quero a mim.
O mundo não se divide em cor como arco iris fundem-se num só, num produto de vida, a vida não se resume a escritos esparsos a vida vai sendo sem nome nem forma.
Potência me é fórmula ponto nada mais e não revela a felicidade ou meus picos de estabilidade.
A arte não me brota do mundo sobe do profundo e o profundo não é triste,
alegre,
branco,
preto,
o profundo é.
a vida é.
afundo em mim e vasculho, sem estado de espírito sem passagem no psicólogo, todos têm.
e se o profundo é tristeza (ou qualquer outro nome inventado) sou triste
se é alegria sou alegre
se é arte sou arte
se é vida sou vida
se é morte, morri
não há explicação nisso, não há tempo certo
não há falsidade nem verdades
só há verdades
(já disse que meu paradoxo é papel)
tudo é
mas
é
.
Me agrada a doce melancolia de Manuel
é pluma funda
Sem desespero, teses, paradigmas
é libertação num mundo de casulos
Mas nós criamos asas e voamos,
espero estar
com a mesa posta, a louça lavada, a cama arrumada
a vida vivida
e inventada.

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lumine-et-obscuritate.blogspot.com

Magic Mirror - Maurits C. Escher


sábado, 17 de abril de 2010

II - da rua


É, seu moço, fiz faculdade sim. O que me faltou, porém, foi a oportunidade. Essa danada vai com a sorte e nessa vida só tive azar. Posso ter quebrado muito espelho, ou passado por debaixo da escada, mas olha, o que eu acho mesmo é que a culpa é desse mundo torto. Torto, sim senhor. Tá tudo esfarrapado, feito essa minha roupa. Então, seu moço, olha nos meus olhos como você olha pra aquele que passa lá engomado, que é tudo igual. A gente é tudo igual, eu, você, ele. Me deixa deitar aqui sossegado, então, que a sorte me roubou minha casa e minha cama e me deixou a rua de respaldo.


O jovem mendigo - Murillo


quarta-feira, 14 de abril de 2010

I - do homem.

Pra mim você é um grande ator. Calcula toda essa sua espontaneidade externada. E não te julgo, não...Veio de herança, você não sabe fazer de outro jeito. Mas o que me perplexa é sua continuidade absoluta. Não só em cima do palanque, ou na palestra e no livro. Esse tom te dominou. Esse muro de Berlim que você construiu e pintou de terno pra todos verem. Queria desengravatar essa muralha, descobrir seu tom de padaria, do domingo morno - me vê 3 pãezinhos. Mas não dá, né? Qual o mínimo pra você olhar nos olhos?


I - da rua.


Quando você nasceu, minha filha, me deram o que comer. Tinha frango, peixe, carne...até porco se eu quisesse. E você nasceu assim, fininha, fininha. Me disseram que você não ia viver, não, minha filha. Mas eu tava tão feliz - a barriga cheia espanta a tristeza - que acreditei na sua vida. E você me deu o que comer durante todos esses anos. Eu e você, a gente ia se ajudando. Nunca mais comi tanto bicho num prato só, não, mas quando você era pequena, as pessoas tinham piedade, minha filha.
Agora, você tem uma criança na barriga. Benza Deus se for menina, minha filha, pra depois continuar com mais vida. Ela vai te dar o que comer, vai sim. Você vai dar o que comer pra ela também. O leite vai faltar nesse teu peito, um pouco culpa minha, dessa sua mãe que te deixou nascer assim, fininha. Mas, minha filha, ela é a prova viva dessa esperança, e quando nascer, você vai comer todos os bichos num prato só...

Só não esquece da sua mãe, minha filha, que já não tem mais como conseguir a piedade.


A pequena vendedora de frutas - Murillo