quinta-feira, 15 de maio de 2014

Terapia 3

Vladimir Kush - At the End of the Earth

Terceira Sessão: Abismos

As marcas daquela felicidade, já passada, me voltavam como se estivessem negativadas em minha mente. É verdade que procurei desnecessariamente por elas. Em meio a nossa felicidade, fui buscar tristeza, e na tristeza fiquei. Eram as forças que me puxavam para aquilo que eu chamava de realidade, como se a felicidade fosse irreal e a verdade, necessariamente, triste.

Às vezes me sinto num devaneio. Acordo, vou pra rua, trabalho, durmo, e sinto como se nunca tivesse acordado. Sinto que vivo uma vida que não vivi. E certas horas, me belisco para saber se aquilo tudo é real. Nesses lapsos me questiono o porquê de estar ali, afinal. O porquê de ter feito tal escolha, o porquê de estar vivendo dessa forma e então, volto à irrealidade. Tudo fica enevoado e sigo no sonho, sonhando como as coisas poderiam ser bonitas e coloridas. Poderiam ser.

Mas há momentos em que me vejo viva, em êxtase, e num respiro de esperança as possibilidades se abrem como portas coloridas na minha frente, onde posso escolher e ser, de fato, tudo aquilo que eu poderia ser. Porém, num estalo, desço a escadaria do meu medo, para me esconder na tristeza, como se ela fosse a verdadeira e única forma de existir. Me afundo na certeza de que nada pode ser tão bom assim, como se não merecesse a felicidade, como se ela não coubesse em mim.

E sinto como se a felicidade de fato não existisse. Parecem ser pílulas fabricadas num mundo de desalento e dissabores para que todos tenham a esperança de um dia a alcançarem. Continuamos vivendo. E vejo nos olhos daqueles que pedem, envergonhados, um prato de comida, ou um casaco para o frio, um mundo de tristeza, um abismo sem fim.

Quanto mais penso, mais me afundo, num redemoinho de olhares e fotos e datas e taças e pratos e convites e canções, como se não pertencesse a nenhum lugar no mundo. Cavoco meu próprio poço, vasculhando as memórias e o passado que sei que me devastará. Me sinto extremamente só submersa nos densos sentimentos que me arrastaram para o meio do oceano, clamando por um socorro vazio, num mundo surdo e mudo. É como se eu fosse exilada de mim mesma.

Aos poucos, porém, sinto chegar a vida. Todo aquele mar vai se evaporando e deixa o que pesava mais leve... Luto contra as últimas ondas que me tentam levar, mas mesmo cansada, resisto. Arfando, me apoio nos sorrisos e tento me reconstruir, ainda mais forte. Sei que as muralhas nunca serão suficientes para a tristeza que há no mundo, mas me socorro da crença de que existe felicidade. 

Tento me proteger dessa louca armadilha que criei, de que a felicidade não cabe em mim, buscando resistir aos meus próprios abismos.