sábado, 7 de agosto de 2010

Círculo


Amanheceu doce...talvez agridoce. Foi esquentando o sol que já brilhava alto. Foi queimando a pele de forma leve, marcando, porém, de um vermelho róseo que avivou toda palidez do entorno. Deu forma a todo sentimento e desfez toda razão que entornava as decisões... Era o nascimento daquele que veio repentino, mas que conquistou toda alma e sentimento, tornando imprescindível aquilo que era tão recente. Irresistível, inundou todas as recuadas, toda rejeição e brilhou mais alto, mais forte, numa luz que não cessava.

Brilhou mais forte, como sol ao meio dia, que tosta sem perdão tudo o que anda se esquivando pelas sombras. Perdoou, porém, a pouca água que restava e deixou que a vida continuasse, ainda leve, mas com um respirar mais rápido. Marcou de forma viva, mudando de cor até os cabelos que estavam desbotados. Do prata, veio o amarelo e deste, o vermelho. Iluminou cegamente, daquele brilho que já não se sabe a cor, de um branco neve que desnuda toda a casca. Assim, pude ver o que tinha dentro e era bom. Cutuquei, me atrevi, estava vivo, porém cansado.

Veio o entardecer. E junto com sol, foi se pondo tudo aquilo que era irreal. Mostraram-se as verdades, que já não se escondiam no ofuscar dos olhos. Pesou naquela hora onde os míopes não têm vez e tudo torna-se liquefeito, feito aquarela. Era doce, mais doce do que nunca. Mas pesava nos momentos de distância, em que a agonia destronava a paz, num golpe impiedoso que abalou os mais céticos olhares. Encheram-se de água os olhos que não sabiam chorar. E a dor veio devagar se instalando silenciosamente, como que prevendo o que estaria por vir.

Fez-se o mais absoluto silêncio, de um vazio que não se acreditava, surgindo forte e desaparecendo, deixando mais vazio. O tempo parou para que todos pudessem observar tal perda. O mundo parou para que o ruído rotacional cessasse por respeito ao rebento que partiu. Não se tinha mais nada, e do nada brotou o desespero do mais profundo sentimento já sentido. A dor, sua amante de longa data, não perdeu tempo e se apossou do que podia, preenchendo o vazio que se arrastou pela madrugada fria. Foi a vida que deixou sua marca naquele que deixara de viver.

Num instante, porém, um brilho azul surgiu. E preencheu, num ritmo imperceptível, a esfera que se esvaziara. Cravou-se no peito as letras que fizeram tanto sentido outrora. A dor se atenuou deixando um brilho de esperança, insistente como cada amanhecer. Do silêncio, fizeram-se palavras espaçadas, doloridas, no entanto, entre gestos esparsos de carinhos, quase inconsequentes. Juntaram-se cacos de riquezas aprendidas, e dos restos viu-se o puro amor. Nunca esquecido, nunca apagado. Apenas calado.


La Sente du Père Jean - Paul Gauguin


Um comentário:

Anônimo disse...

Calado? Falado? Pensado? Sonhado... Vivido? Vivo. Vivo! Sempre.