sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Comparações contraditórias



Não passam de palavras. Todas despejadas, desesperadamente, na busca de um consentimento comum. O ser humano não vive só e busca no pensamento – herdado desde os primórdios de nossos parentes macacos – a garantia que não irá morrer em vão. Suas palavras serão digeridas por novos seres pensantes que discutirão, felizes, – ou infelizes, dependendo da virada do século que lhes couber – toda a imensa riqueza por nós consagrada diariamente: Palavras.

Estudaremos os mais vistosos livros e debruçaremos toda nossa vida em cima daquilo que é válido. Este foi selecionado pelas gerações passadas, que por serem passadas são mais vividas e, como nossos avôs, dizem-nos as verdades, sem a necessidade de sermos atingidos por uma faísca qualquer de realidade. Aceitamos, não tão passivamente, é certo, aquilo que foi ditado e utilizamo-nos das armas que temos para contradizer aqueles que descansam em paz: Palavras.

Mas o que resta aos letrados senão continuar com seu legado? Fixamo-nos em patamares de defensores da humanidade, perpetuando as letras, os pensamentos, as especulações para salvar o homem da poeira orgânica. De que serviria a razão se não houvesse seus escudos? A razão nos diferencia de todo o resto universal. Ficaremos, portanto, encarcerados ao eterno universo abençoado das Palavras.

A Arte, rainha das ações humanas, nos salva do vício que nos são as letras. Sua proteção, porém, recaí sobre a mesma doença. Aprecia-se um Da Vinci entre câmeras de segurança máxima, após ter pago o ingresso de entrada. A entrada para o paraíso. Não se pode culpar o artista, por certo, mas toda a sociedade construída que se utilizou da Arte, explorando-a. Mas se Da Vinci renascesse hoje, venderia sua obra?

O que são nossos antepassados brilhantes se não humanos? O que são as palavras consagradas senão mais idéias – amadurecidas, talvez, em conversas de botequim, numa taverna qualquer. O homem se separa de tudo que lhe é comum e cria degraus invisíveis e diferentes graus de importância para tudo o que vive, vê e sente. Somos grandes etiquetadores de vivência, por isso, talvez, o capitalismo tenha dado tão certo em nossa sociedade.

Conseguimos catalogar os melhores escritos, os mais bonitos quadros, as mais válidas teorias. Não foi encontrado, porém, a força mãe que valida todas essas construções. Afinal, o que é verdade? Rumamos perdidos na busca de um caminho que oriente todo o caos criado paulatinamente. Mas que nos garante que não foi sempre assim? As diferenças criadas são base para a convivência humana?

Penso, então, na forma. A boca que emite o som. As palavras podem ser consideradas a melhor forma de revolucionar mundos. A arte da retórica existe e se aplica, tentando convencer o mais cético dos céticos. O beijo, porém, é o ato supremo da boca. Sem dizer nada expressa os sentimentos de forma pura. Não há Palavra no Beijo. O beijo é a sua ausência. Vê-se no beijo um ato puramente humano, que abrange toda a escadaria do explicável, escancarando a porta do inexplicável.

Excluem-se, no entanto, a concomitância dos atos. Fala-se ou Beija-se. O homem vem calcando suas construções na arte da fala. Porém, o beijo desconstrói qualquer argumento racional e abre alas à (ir)realidade. Pode-se tentar teorizar o beijo, mas sua eficácia está longe das palavras. Trata-se, pois, de escolhas. O beijo deve representar toda desconstrução das barreiras concretadas e reforçadas durante os séculos. Deve representar a sensibilidade humana e o reconhecimento do próximo como igual – em todas as suas diferenças.

Opto pela revolução do Beijo, sem conseguir deixar de lado as palavras que me escapam pelos dedos.



Torre de Papel - Sônia Menna Barreto

Torre de Babel - Sônia Menna Barreto


Um comentário:

Eduardo Rocha disse...

Gostei do texto,
em especial, da seguinte passagem:
O beijo, porém, é o ato supremo da boca. Sem dizer nada expressa os sentimentos de forma pura. Não há Palavra no Beijo. O beijo é a sua ausência.